Brasil possui mais de 907 mil famílias morando em assentamentos de reforma agrária incompletos, de acordo com a CGU | Ilustração | Tânia Rêgo / Agência Brasil
Imóveis inacabados ou em condições precárias de habitação (como ausência de piso, reboco/revestimento, teto, pintura e portas), problemas de distribuição de água, de energia elétrica e acesso à internet. Essas foram as principais alegações feitas por algumas das mais de um milhão de famílias espalhadas por diversos estados — inclusive na Bahia — que moram em um dos assentamentos elaborados, durante quase 50 anos, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
As informações integram um relatório de 58 páginas elaborado pela Controladoria-Geral da União (CGU), do qual o BNews teve acesso. Dos 9.501 assentamentos de reforma agrária criados no Brasil após 1975, apenas 6% — ou 8.910 — estão “consolidados”. Ou seja, mais de 907 mil famílias estão morando em assentamentos incompletos sob a gestão do Incra.
A CGU visitou mais de 500 famílias espalhadas em 57 assentamentos de 23 cidades diferentes divididas entre Acre, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Paraná, Sergipe, Santa Catarina e Tocantins. De acordo com o órgão, mais de 70% das famílias entrevistadas moram nestes imóveis há mais de 10 anos.
A auditoria aponta que a Bahia é o terceiro estado que, proporcionalmente, tem mais assentamentos incompletos desde 1975 — “perdendo” apenas para o Tocantins e Distrito Federal. Em quase meio século, o Incra elaborou 726 assentamentos no estado. Destes, apenas 73 (10,06%) estão em fase de consolidação e somente 18 deles (2,48%) já foram concluídos. Confira:
Na Bahia, Distrito Federal, Santa Catarina e Sergipe, houve reclamações quanto à quantidade ou qualidade de água disponibilizada para consumo, tendo sido apontado como um dos pontos mais críticos dos assentamentos visitados. A CGU também percebeu que, dentre as 84 famílias entrevistadas na Bahia e Distrito Federal, apenas uma informou ter renda suficiente para se sustentar.
Além disso, 95% das famílias informaram que seus lotes possuem demarcação territorial, embora grande parte não esteja registrado em cartório, o que dificulta a produtividade — especialmente acesso ao crédito — e traz insegurança jurídica aos beneficiários sobre a posse dos bens.
Quanto à saúde, 48% das famílias entrevistadas relataram que há dificuldade de acesso ao estabelecimento mais próximo; e sobre a educação, de maneira geral, informaram que existem transportes escolares disponíveis, apesar da grande distância e da precariedade das estradas.
Dinheiro não é problema
Apesar dos números pífios relacionados à consolidação dos assentamentos da reforma agrária no Brasil, pelo menos nos últimos anos o Governo Federal tem empenhado altas cifras para remediar o problema. Entre 2018 e 2023, mais de R$ 2,2 bilhões foram investidos pelas gestões Bolsonaro e Lula. Confira:
Estes recursos deveriam cobrir as despesas com infraestrutura de assentamentos, capacitação, assistência técnica, construção e reforma de residências para as famílias assentadas (crédito instalação), agroindustrialização, titulação, regularização ambiental, aquisição de máquinas e equipamentos, demarcação topográfica e outras despesas diversas para consolidação desses assentamentos.
O problema é que, na avaliação da CGU, devido à natureza histórica do problema, o Governo Federal não tem feito muito bem o dever de casa e as verbas disponibilizadas não o suficiente.
“Os valores alocados anualmente nos assentamentos são insuficientes para fazer frente às necessidades de desenvolvimento e consolidação dos assentamentos. Fato que se torna ainda mais relevante devido às fragilidades apontadas de planejamento na alocação dos recursos”, dizia um trecho do relatório.
O BNews questionou o Incra sobre o relatório da CGU e uma série de recomendações expedidas pelo órgão. No entanto, até a publicação desta reportagem, o Instituto não se posicionou.