Quase vinte magistrados foram impedidos de exercer suas funções na justiça baiana | Dinaldo Silva / BNews
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) tem estado recorrentemente nas capas de jornais e sites de notícias por conta dos diversos casos de corrupção e de atuações ilícitas envolvendo seus membros. Ao todo, 17 (dezessete) magistrados foram afastados de suas funções. Mas não para por aí. O judiciário estadual baiano também se tornou manchete por ter virado alvo de correições ordinárias e extraordinárias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujas conclusões apontaram “erros graves”, acúmulo de processos, problemas no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), entre outras deficiências.
Essa porteira para o afastamento de diversos juízes e desembargadores foi aberta em 2019, através da Operação Faroeste, que desvendou um suposto esquema de corrupção e venda de sentenças em processos de disputa de terras no oeste da Bahia. De lá para cá, outras investigações policiais e procedimentos do CNJ afastaram magistrados do exercício das funções por conta de outros casos de atuações suspeitas e decisões questionáveis, fazendo com que o órgão determinasse a adoção de providências de gestão para sanar e melhorar os trabalhos do órgão.
Com isso, a lista de magistrados afastados, ainda que alguns já tenham retornado ao cargo ou tenham se aposentado, chega a 17 (dezessete) integrantes, fazendo o judiciário estadual baiano passar um vexame moral e ético sem precedentes.
A Lei Complementar nº 35/1979, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura, prevê que os juízes possuem deveres funcionais a cumprir, sob pena de instauração de processos disciplinares e aplicação de sanções. Entre esses deveres, estão:
- Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;
- Não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
- Determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;
- Tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência;
- Residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;
- Comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;
- Exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;
- Manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Entretanto, boa parte dessas obrigações passaram a ser ignoradas por esses 17 magistrados afastados que, além de não respeitarem as disposições da lei que rege a magistratura, ainda se prestaram a cometer diversos crimes, violando a imagem do judiciário baiano, mas, principalmente, lesando cidadãos com o atraso de processos e decisões suspeitas e supostamente compradas.
O BNews relembra agora todos os procedimentos que levaram juízes de primeiro grau e desembargadores a serem impedidos de atuar em seus gabinetes e comarcas e quem são esses magistrados.
- Operação Faroeste
Oeste da Bahia
A Operação Faroeste investiga um esquema de compra e venda de decisões judiciais que envolve corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, organização criminosa e tráfico de influência. Diversos mandados de prisão e de busca e apreensão foram cumpridos em Salvador, Formosa do Rio Preto, Barreiras e Santa Rita de Cássia.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), as investigações descobriram que uma organização criminosa teria sido criada e integrada por juízes, desembargadores, advogados e produtores rurais, visando a venda de decisões judiciais para ‘legalizar’ a posse de terras no oeste do estado.
Ainda de acordo com a Faroeste, os envolvidos negociavam, vendiam e compravam decisões judiciais para legitimar a grilagem de terra, que é a tomada de posse de terras públicas ou de terceiros de forma ilegal. Quer dizer, os julgadores teriam sido comprados para, por meio de decisões, dar aparência de legalidade à grilagem.
Neste âmbito, a partir de 2019, foram afastados:
- Sérgio Humberto de Quadros Sampaio (juiz);
- Marivalda Almeida Moutinho (juiza);
- João Batista Alcântara Filho (juiz);
- Ivanilton Silva (desembargador);
- Maria do Socorro Santiago (desembargadora);
- Ligia Maria Cunha (desembargadora);
- Sandra Inês Rusciolell (desembargadora);
- Cassinelza Lopes (desembargadora);
- Ilona Márcia Reis (desembargadora);
- Gesivaldo Britto (desembargador);
- Maria da Graça Osório (desembargadora); e
- José Olegário Caldas (desembargador).
Todos foram afastados das funções e proibidos de acessar as dependências e os sistemas eletrônicos do TJ-BA para que não atrapalhassem as investigações, não mantivessem contato com outros investigados e para que não tentassem destruir provas e obstruir a justiça.
Sergio Humberto de Quadros Sampaio, Maria do Socorro Santiago, Ligia Maria Cunha, Sandra Inês Rusciolelli e Ilona Márcia Reis chegaram a ser presos.
Em 2022, ainda durante o curso das investigações, o juiz João Batista Alcântara Filho e o desembargador Ivanilton Silva, dois anos após terem sido afastados dos cargos, foram autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que conduz a Faroeste, a retornar aos trabalhos. Para o relator do caso, ministro Og Fernandes, à época, as investigações não haviam evoluído em relação a eles e os mesmos ainda não tinham sido denunciados pelo MPF.
Por sua vez, o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio foi aposentado compulsoriamente, em dezembro de 2021, pelo Tribunal de Justiça da Bahia, após o órgão aplicar a pena máxima de aposentadoria compulsória no âmbito de um processo administrativo disciplinar aberto para apurar a violação dos deveres impostos à magistratura.
Os desembargadores Ilona Márcia Reis, Gesivaldo Britto, Maria da Graça Osório e José Olegário Caldas também se aposentaram de forma compulsória, entre 2021 e 2024, mas por terem completado 75 anos, idade limite para permaência no serviço público.
Marivalda Moutinho, Maria do Socorro Santiago, Ligia Maria Cunha e Cassinelza Lopes seguem afastadas das funções por decisão do STJ que, mesmo com o afastamento, determinou a manutenção do pagamento das remunerações de todos que foram impedidos de exercer as funções, citando nas decisões a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Lei de Organizações Criminosas e o Código de Processo Penal para alegar que é possível o afastamento cautelar de magistrado do exercício das suas funções sem que haja a suspensão da remuneração e das vantagens, até a decisão final.
Sul da Bahia
Em junho deste ano, o próprio (TJ-BA) afastou três juízes de Porto Seguro, no sul do estado, por, segundo a Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) do órgão baiano, possível envolvimento em crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, agiotagem e fraude processual. São eles:
- Fernando Machado Paropat Souza (titular da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais e Registros Públicos);
- Rogério Barbosa de Sousa e Silva(titular da Vara da Infância e Juventude e Execução de Medidas Sócio Educativa); e
- André Marcelo Strogenski (titular da 1ª Vara Criminal, Júri e Execuções Penais).
Os juízes foram proibidos de entrar no Fórum de Porto Seguro, de manter contato com servidores e outros magistrados, de acessar os sistemas judiciais, extrajudiciais, administrativos e outros vinculados do tribunal, além de usar token institucional.
Segundo as investigações, os magistrados teriam formado um grupo entitulado de “Liga da Justiça” e emitido diversos documentos fraudulentos, inclusive colocando áreas de terra que já tinham dono como de suas propriedades. Com isso, Fernando Paropat, Rogério Barbosa de Sousa e Silva e André Marcelo Strogenski passaram a ser donos de 101 (cento e uma) matrículas de casas e terrenos em praias turísticas e famosas do sul da Bahia, incluindo propriedades que já possuiam matrículas anteriores vinculadas a seus reais donos.
Além dos três magistrados, as investigações também reveleram a suposta participação no esquema do promotor Wallace Carvalho, de empresários, como Henrique Daumas Nolasco, apontado como operador do esquema, advogados e um secretário do município.
O caso não foi descoberto antes porque um dos juízes afastados, Fernando Paropat, era o responsável por fiscalizar o cartório de registro de imóveis de Porto Seguro, supostamente controlado por empresários da região.
Os magistrados seguem afastados.
- Decisão questionável
Em um âmbito diferente dos juízes citados acima, o desembargador Luiz Fernando Lima foi afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, após ter concedido prisão domiciliar a Ednaldo Freire Ferreira, conhecido como Dadá, líder de um grupo criminoso que atua na Bahia, e que estava preso em uma presídio de segurança máxima de Pernambuco após responder por tráfico de drogas e distribuição de facas na prisão. Logo depois de ir pra casa, o bandido, considerado de alta periculosidade, fugiu.
A decisão do desembargador, durante um plantão judiciário de final de semana, em 01 de outubro de 2023, foi proferida após a defesa de Dadá alegar que ele precisava estar perto do seu filho que tem autismo em nível severo e seria dependente dele.
Entretanto, o então ministro-corregedor, Luis Filipe Salomão, apontou em sua decisão de afastamento que, um mês antes, em setembro, Luiz Fernando Lima havia negado a soltura de um preso, em um caso semelhante, também durante um plantão judiciário, alegando que o assunto não poderia ser analisado fora do expediente normal do TJ-BA.
O desembargador segue afastado até a finalização do processo administrativo disciplinar aberto contra ele pelo CNJ e Ednaldo Freire Ferreira continua foragido.
- Decisões sem trabalhar
O caso mais recente de afastamento de juiz do judiciário baiano é de agosto deste ano, quando também o Conselho Nacional de Justiça determinou que um magistrado, que não teve a identidade revelada, fosse impedido de exercer suas funções, após a suspeita do julgador ter assinado mais de mil processos enquanto estava de licença médica. As assinaturas teriam sido realizadas por um servidor que usou o registro e a senha do juiz.
O CNJ ainda apontou que outras possíveis infrações funcionais serão investigadas, como o uso de resumos de julgamento genéricos para incluir mais de 500 processos para julgamento em uma mesma sessão e a má gestão do acervo processual, com atraso de processos.
O que diz o TJ
Durante uma entrevista após a prisão dos juízes de Porto Seguro, a presidente do TJ-BA, desembargadora Cynthia Resente, afirmou que o órgão está agindo contra quem tem desvio de conduta e ressaltou ainda não haver corporativismo.
“Estamos tomando providências. Não estamos inertes e não temos corporativismo. Temos que agir para punir aqueles juízes que estão em desvio de conduta”, disse Cynthia. E emendou: “Se algum desviar, temos a obrigação de afastar, apurar e, se for o caso, punir”.
Procurado pelo BNews, o Tribunal de Justiça da Bahia afirmou que tem colaborado com as investigações sempre que demandado pelos órgãos julgadores competentes e que “os processos correm em segredo de justiça no STJ e CNJ, não tendo este Tribunal controle a respeito do tramite dos autos”.
Sobre as ações do TJ-BA quanto à fiscalização de magistrados e à recuperação da imagem perante a sociedade baiana, o tribunal apontou que ” A Presidência e as Corregedorias cumprem seus deveres de acordo com o Regimento Interno do Tribunal , não podendo responder por atos individuais” e que “é composto pela grande maioria de membros probos e produtivos e vem elevando positivamente seus índices de metas do CNJ”.
Bnews