Com tráfego diário estimado em 245 mil veículos — conforme dados da ViaBahia antes do fim da concessão —, a BR-324 é considerada o principal corredor logístico da Bahia
Por Hieros Vasconcelos
Passados quase seis meses desde que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) reassumiu a gestão da BR-324, principal ligação entre Salvador e Feira de Santana, a rodovia segue em estado crítico. Embora “pouco menos pior” do que meses atrás, quando a concessionária ViaBahia — alvo de críticas por anos — ainda administrava o trecho, o cenário do principal eixo logístico do estado permanece preocupante. Acidentes, prejuízos e sensação constante de insegurança fazem parte da rotina de quem depende da estrada para trabalhar e movimentar a economia baiana.
Buracos e remendos malfeitos mal feitos, desníveis, má sinalização e acostamentos ainda tomados pelo mato. Somados à condução imprudente de muitos motoristas, esses fatores transformam a BR-324 em um trajeto de alto risco. As promessas de recuperação feitas em maio pelo governo federal, e de uma nova concessão denominada Rota 2 de Julho, que prevê a duplicação do trecho entre a capital e Feira, ainda parecem longe de se concretizar. Até agora, destacam-se apenas ações de limpeza, tapa-buracos pontuais, recapeamentos parciais e recolocação de parte da sinalização.
O fato é que, mesmo após a mudança de gestão, quem trafega pela rodovia continua encarando uma das estradas mais perigosas do país, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). A reportagem percorreu o trecho Salvador–Simões Filho e constatou a precariedade da via.
Com tráfego diário estimado em 245 mil veículos — conforme dados da ViaBahia antes do fim da concessão —, a BR-324 é considerada o principal corredor logístico da Bahia, vital para o cotidiano e economia do estado: liga a capital ao interior, cruza polos industriais e abastece Salvador com produtos e combustíveis vindos do Porto de Aratu. Também é rota de escoamento agrícola e transporte de passageiros.
A preocupação, com os prejuízos e principalmente com as vidas, também levou a Câmara Municipal de Feira de Santana a enviar um ofício ao departamento nacional cobrando respostas, no dia 28 de outubro. De acordo com a PRF, a BR-324 segue entre as rodovias com maior número de acidentes graves na Bahia.
Conforme as estatísticas da instituição, já se observa um aumento na gravidade dos acidentes na rodovia, com crescimento no número de mortes, apesar da redução no total de feridos. De janeiro a setembro de 2025, a BR-324 registrou 725 sinistros, ante 666 no
mesmo período de 2024. Desses, 152 foram graves, contra 139 no ano anterior. O número de pessoas feridas foi de 840, ligeiramente abaixo dos 853 de 2024, enquanto o total de mortos chegou a 61, um aumento significativo em relação aos 49 registrados no ano passado.
O último anuário da PRF revelou que o estado foi o segundo do país com mais mortes em rodovias federais em 2024, registrando 619 vítimas fatais.“Dirigir na 324 é um teste de paciência, coragem e sorte. Ainda falta muito para melhorar, e pelo visto vamos conviver mais alguns meses nesse caos. Mas pelo menos não estamos sendo cobrados, ou melhor, roubados, como antes”, desabafa o motorista José Batista, que transporta Hortifruti entre Candeias e Feira há mais de 20 anos. “Parece que nada mudou desde que o DNIT assumiu. Falam em tapa-buracos, mas a chuva leva tudo em poucos dias”, acrescenta.
O mototaxista com ponto na estação de metrô da BR-324, que prefere não se identificar, revela: “Quem trabalha aqui, e quem pega transporte aqui, sabe que está correndo riscos, mas geralmente é o povo pobre que não tem outra opção nem de transporte de qualidade, nem pra pagar uber. Mas nós motociclistas tentando ao máximo manter a precaução”, revela.
O sentimento de José é compartilhado por especialistas, que veem a situação da rodovia como um entrave direto à economia baiana. Para o pesquisador Fernando Pauli de Bastiani, do grupo Esalq-Log da Universidade de São Paulo, os gargalos logísticos em rodovias como a BR-324 têm efeito direto sobre o custo do transporte e, consequentemente, sobre o preço dos produtos. “Todos esses custos se refletem no preço final do alimento. Na ponta, quem sente o impacto é o consumidor”, afirmou o especialista em entrevista ao site Gigante 163.
O advogado Antônio Henrique Monteiro, especialista em infraestrutura, reforça que a falta de manutenção das estradas compromete o desenvolvimento do país. “Historicamente, o investimento na infraestrutura rodoviária do Brasil tem sido insuficiente para acompanhar o crescimento da demanda e para manter as estradas em bom estado de conservação. A falta de recursos financeiros destinados à infraestrutura rodoviária limita os esforços de manutenção e expansão”, declarou em entrevista ao Correio Braziliense.
Nos postos de combustíveis às margens da rodovia, o sentimento é o mesmo. Funcionários afirmam que os reparos pontuais não resolveram o problema. “A gente escutou barulho de pneu estourando algumas vezes. Caminhoneiro quando não é pra abastecer é pra pedir socorro”, conta Gilberto Lima, atendente de um posto.
Nova concessão: Rota 2 de Julho promete recuperar e duplicar trecho
Enquanto se discute um novo modelo de concessão entre o governo estadual e a União — batizado de Rota 2 de Julho —, o DNIT informou, por meio de nota, que mantém equipes em campo para executar serviços de tapa-buracos, micro revestimento e sinalização horizontal e vertical. O órgão reconhece, no entanto, que as chuvas recentes têm impactado o cronograma.
O projeto da nova concessão prevê R$ 24 bilhões em investimentos ao longo de 30 anos, incluindo duplicações, viadutos, passarelas e vias marginais. O leilão está previsto para dezembro de 2025, e o edital de licitação segue em fase de preparação.
Segundo o DNIT, a futura concessão deve oferecer benefícios como redução do tempo de viagem, diminuição de custos operacionais e aumento da eficiência logística. A previsão é de 228 mil empregos diretos, indiretos e por efeito renda, dinamizando a economia dos 27 municípios cortados pelo trecho.
O órgão assegura que as melhorias serão visíveis nos próximos meses, com reforço das frentes de manutenção e revisão do pavimento nos pontos mais críticos, cuja recuperação emergencial deve ser concluída até o início de novembro. Dos R$ 24 bilhões previstos, R$ 15,7 bilhões serão em despesas de capital (capex) e R$ 8 bilhões em custos operacionais (opex).
“Teste de sobrevivência”, diz vereador de Feira de Santana em ofício ao DNIT
Diante da situação, a Câmara Municipal de Feira de Santana enviou ofício ao DNIT exigindo providências imediatas. O documento classifica o estado atual da rodovia como “caótico” e alerta para o risco de paralisação do tráfego caso as crateras continuem aumentando.
O vereador Marcos Lima afirmou que “o trajeto Feira–Salvador virou um teste de sobrevivência” e cobrou do governo federal uma resposta rápida. “Estamos vendo carros quebrados, ambulâncias com dificuldade de circular e prejuízos para o transporte de mercadorias. O DNIT precisa agir com mais eficiência”, declarou.
A prefeitura de Feira também manifestou preocupação com o impacto econômico causado pela deterioração da estrada, já que o município depende do fluxo constante de caminhões e ônibus que atravessam o anel viário e o principal acesso pela BR-324.
Atenção redobrada nos finais de semana, alerta PRF
Perigo – A maior parte dos acidentes ocorrem entre sextas e domingos. Segundo a PRF, até julho, trechos entre os quilômetros 574 e 551 — nas proximidades de Amélia Rodrigues — apresentavam inclinações acentuadas que elevaram o risco de colisões. Já entre os quilômetros 543 e 518, rotatórias mal sinalizadas continuavam sendo armadilhas para motoristas. No perímetro urbano de Salvador, entre São Gonçalo do Retiro e Águas Claras, a situação também é crítica.
No sentido oposto, entre Candeias e Simões Filho (km 580 a 590), a constância era asfalto esburacado e a presença constante de óleo na pista provocando derrapagens. No corredor entre Amélia Rodrigues e Feira de Santana (km 540 a 550), motoristas enfrentavam longos congestionamentos e risco de abalroamento. Os motoristas afirmam que a situação continua.
Foto: Romildo de Jesus/Tribuna da Bahia




