De acordo com o levantamento, mais de 546 mil baianos consomem cigarros eletrônicos e sachês de nicotina com frequência, enquanto outros 918 mil declaram ter usado os produtos ocasionalmente
Por Hieros Vasconcelos
A Bahia deixa de arrecadar quase R$ 600 milhões por ano em impostos por conta da comercialização ilegal de cigarros eletrônicos e sachês de nicotina. O dado é parte do 1º Levantamento Nacional sobre a Demanda de Bens e Serviços Ilícitos no Brasil, divulgado pela Escola de Segurança Multidimensional (ESEM) da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Instituto Ipsos. O estudo, que analisou o consumo e os impactos fiscais de produtos ilegais em todas as regiões do país, mostra que o mercado clandestino de novos produtos de tabaco e nicotina movimenta R$ 327,5 milhões por ano apenas na Bahia — valor que, se regulamentado, poderia gerar R$ 597,2 milhões anuais em arrecadação.
De acordo com o levantamento, mais de 546 mil baianos consomem cigarros eletrônicos e sachês de nicotina com frequência, enquanto outros 918 mil declaram ter usado os produtos ocasionalmente nos últimos seis meses. Isso coloca o estado no 2º lugar do Nordeste entre os que mais registram consumo ilícito desses dispositivos. Na região, o potencial de arrecadação chega a R$ 2,028 bilhões anuais.
O estudo posiciona a Bahia como o 6º estado do país com maior perda de arrecadação devido ao comércio ilegal desses produtos. À frente dela aparecem São Paulo (R$ 4,8 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 1,2 bilhão), Minas Gerais (R$ 1,1 bilhão), Paraná (R$ 800 milhões) e Pernambuco (R$ 620 milhões). Logo abaixo estão Ceará (R$ 372 milhões), Rio Grande do Sul (R$ 310 milhões) e Goiás (R$ 290 milhões).
Para economistas, os quase R$ 600 milhões que a Bahia perde poderiam ser aplicados em infraestrutura, saúde e educação.
Em comparação com os demais estados nordestinos, a Bahia lidera em número de consumidores regulares, superando Pernambuco e Ceará, e responde sozinha por cerca de 30% das perdas de arrecadação da região com cigarros eletrônicos e sachês de nicotina. O levantamento da USP e do Instituto Ipsos reforça que o mercado ilegal de produtos de tabaco e nicotina é hoje um dos mais lucrativos e complexos do país.
A ausência de regulação é o principal motor da expansão, conforme aponta a pesquisa. Enquanto os produtos seguem proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma rede paralela de comércio se estrutura em tabacarias, plataformas digitais e até em entregas domésticas: sem recolhimento de tributos ou controle de qualidade sanitária.
O consumo de cigarros eletrônicos e sachês de nicotina não é só um grave risco à saúde pública, como uma sobrecarga ao Sistema Único de Saúde (SUS). Pesquisas da Fiocruz, da Anvisa e da OMS comprovam que a nicotina presente nesses produtos provoca dependência rápida, alterações no sistema cardiovascular, danos aos pulmões e comprometimento do desenvolvimento cerebral em adolescentes.
De acordo com a Fiocruz, o aumento do uso entre jovens intensifica o surgimento precoce de doenças respiratórias e cardiovasculares, elevando a demanda por tratamentos custosos. A disseminação de informações equivocadas sobre “inofensividade” agrava o desafio de prevenção, fiscalização e controle, aumentando os gastos.
“O comércio ilícito de bens e serviços está sujeito a uma lógica econômica simples: se existe qualquer tipo de demanda, sempre haverá alguém, ou alguma organização, dedicada a atender essa demanda”, afirma Leandro Piquet, coordenador da ESEM e
especialista em segurança pública e mercados ilícitos. “O regime de proibição, em vez de eliminar os mercados de bens e serviços ilegais, acaba por transferi-los para a esfera do crime organizado, que se estrutura como agente econômico racional, em busca de lucro, controle territorial e corrupção sistêmica”, completa o pesquisador.
O 1º Levantamento Nacional sobre a Demanda de Bens e Serviços Ilícitos foi elaborado com base em uma amostra de três mil entrevistas, representando todas as regiões e classes sociais. A margem de erro é de 1,8%, e a coleta combinou entrevistas online e presenciais em domicílios, respeitando a proporção demográfica definida pelo IBGE. Além dos produtos de tabaco e nicotina, a pesquisa também analisou o consumo ilícito em setores como bebidas alcoólicas, combustíveis, eletrônicos, cigarros tradicionais e vestuário.
Valor perdido em arrecadação poderia incrementar áreas como segurança e saúde, diz USP
O valor perdido pela Bahia em arrecadação equivale a metade dos investimentos previstos para várias áreas, como programas de combate a pobreza no estado, conforme aponta a USP. Além disso, o mercado ilegal estimado em R$ 327 milhões movimenta recursos sem qualquer controle tributário, beneficiando redes criminosas e enfraquecendo o setor formal.
Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz-BA), o crescimento do comércio ilegal de dispositivos eletrônicos de fumar é acompanhado com preocupação. Em nota já divulgada sobre o assunto nos últimos meses, o órgão afirmou que “a falta de regulação e o aumento das vendas clandestinas reduzem a competitividade das empresas regulares, além de impactar diretamente a arrecadação de impostos estaduais e o financiamento de políticas públicas”. A Sefaz informou ainda que mantém parcerias com órgãos federais para fiscalizar o comércio eletrônico e o transporte interestadual de mercadorias não declaradas.
Para especialistas, é fundamental políticas de controle e regulação, tese defendida também pelos pesquisadores da USP. Para eles, a simples proibição não tem sido suficiente para conter o avanço dos mercados ilícitos — ao contrário, alimenta um ciclo de informalidade e evasão tributária.
No caso dos cigarros eletrônicos, os dados indicam que 95% das vendas atuais no país ocorrem de forma irregular, seja por meio de importação não declarada ou revenda direta em pontos físicos sem registro fiscal. Na Bahia, a fiscalização é dificultada pela entrada de produtos por portos e estradas interestaduais, especialmente vindos de estados vizinhos ou do exterior.
Tribuna/Foto: Divulgação/Internet




